Sobre a transição (trechos). - Humanaesfera

 


Apresenta-se aqui trechos do humanaesfera sobre a transição do capitalismo a sociedade pós-capitalista.

7 - CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA UNIVERSALMENTE INTERCONECTADAS

Se uma revolução se estabelece como um território particular consolidado e tenta se reproduzir, a medida que os estoques de produtos se esgotam e consequentemente a troca de mercadorias com os territórios exteriores se torna obrigatória para essa reprodução, a revolução se entrega imediatamente à contrarrevolução. O poder estabelecido no território é materialmente forçado a recorrer à repressão, dominação e exploração do proletariado para que as mercadorias que produz o coloque pelo menos no mesmo patamar dos competidores, i.e., que compita, como eles, para absorver e acumular o máximo de valor, a máxima imposição direta ou indireta do sobre-trabalho sobre os trabalhadores, tanto do resto do mundo quanto no interior da propriedade territorial.

(...)

Uma vez que o território desde o início se reproduz mediante repressão e exploração devido à necessidade de trocar vantajosamente com o exterior, é difícil imaginar qualquer maneira em que os administradores do território possam se desinteressar da dinâmica material da propriedade privada que passou a formar seus interesses como personificações do capital. Apenas se fôssemos idealistas, apenas se tivéssemos alguma fé no poder sobre-humano da força de vontade (ou na força sagrada das ideias e das doutrinas...) nos seria possível acreditar que essa expansão do território poderá ter qualquer coisa de revolucionária ou comunista.

(...)

Mesmo as necessidades mais básicas, tais como medicamentos, alimentos, equipamentos, meios de produção... dependem inextricavelmente, cada um deles, de uma rede global altamente socializada que combina inúmeros materiais envolvendo todos os continentes.

(...)

Na realidade, de um ponto de vista materialista, a necessidade consciente do comunismo, assim como a formação da capacidade prática e do desejo de efetuá-lo, não podem sequer existir fora dessa rede inextrincável mundial. Qualquer tentativa de sair ou permanecer de fora dessa interconexão global é somente fadada a criar e consolidar outra propriedade privada, outro capital na competição universal militar, comercial e industrial. Tentar colocar-se de fora implica em colocar-se no mesmo patamar de fora e, assim, introduzir-se verticalmente na mesma rede da qual se busca se separar, reproduzindo a sociedade de classes.

A única dinâmica material capaz de abolir e superar o capital é uma que atravesse horizontalmente a totalidade da sociedade capitalista mundial ao mesmo tempo que é produzida sistematicamente por ela como seu negativo universal. O proletariado só existe como classe nesse nível histórico-mundial. É precisamente de dentro dessa ubíqua unidade mundial das forças produtivas que se pode dar à luz o comunismo - a comunidade humana mundial – ao fazer explodir a decrépita carapaça capitalista, tornando livre a condição universalista material das capacidades e necessidades humanas para que expressem suas formas imanentes. [2]

Assim, a luta de classes - a fraternização dos proletários que destroi todas as fontes de separação (reificações tais como identidades, nações, emprego/desemprego, fronteiras, profissão, posição, mérito, território, etnia, raça, administração, família, segregação...) que os compelem, contra si mesmos, a competir por se submeter às “suas próprias” classes dominantes em troca da sobrevivência – é a única base e fundamento da emergência universal do comunismo. O principal erro do artigo é a desvinculação entre luta de classes mundial e comunismo.

Em outros textos já expomos nossas posições sobre as medidas práticas imediatas e objetivos que a revolução mundial precisaria realizar para ter chance mínima de êxito:

A dinâmica material especificamente comunista é desencadeada pela "superação da greve por uma tática de continuar a produção, mas como produção livre (gratuita) para e pela população, suprimindo a divisão emprego/desemprego nesse momento (abolição da empresa). Começando primeiro numa cidade, a difusão dessa experiência será tão apaixonante (incontível), que rapidamente, em um ou dois dias, se difundirá pelas principais metrópoles do mundo. O mapeamento da interconexão dos fluxos e estoques da produção mundial, cada vez mais completo, vai permitindo à população descobrir quais produções não servem para ela, desativando-as, e modificando outras. Os governos e as forças repressivas não tiveram tempo para estudar e coordenar um ataque e nem há mais condições para isso, pois a produção que sustenta essa condições está nas mãos da população. Os soldados, fraternizando, dão as armas para a população e se juntam a ela. Os que resistem tem suas condições de existências cortadas até que se rendam. Em menos de uma semana, o mundo inteiro estará sob o modo de produção associado, o comunismo. Senão, quanto mais a difusão global se retarda, chegando a apenas uma parte do mundo, a medida que os estoques vão acabando, mais insustentável (materialmente falando e em termos de repressão) se torna o modo de produção comunista. Pois mais se é privado dos materiais que a outra parte do mundo ainda não transformado possui como propriedade privada (estatal ou particular), forçado-a a trocar (comprar/vender) com ela para repor os estoques. Ou seja, é forçada, para comprar dela, a trabalhar para ela - e a reproduzir internamente o mesmo modo de produção capitalista, havendo o risco de o comunismo se tornar mera cobertura ideológica de uma nova variedade de exploração capitalista." (Contra a metafísica da escassez, copiosidade prática) [3]

E também:

“Em contraste com a ideologia da estratégia, os proletários não podem contar senão com a sua própria capacidade autônoma de agir e pensar, impulsionada pela rápida difusão de sua luta em escala mundial. Nesse mesmo ato, eles comunicam mundialmente uns com os outros o conhecimento do modo como suas atividades cotidianas simultâneas se interligam (por exemplo, conforme o local em que estão, as supply chains, as relações entre indústria, agricultura e as vias materiais de livre expressão das necessidades, desejos, pensamentos e capacidades dos habitantes e viajantes do mundo, etc ), conhecimento que é simultâneo à supressão em ato das condições de existência materiais (moleculares) da propriedade privada, do capital e do Estado e à criação de uma nova sociedade em que os meios de vida e de produção, indissoluvelmente interconectados em escala mundial em uma rede de fluxos imanentes, se tornam livremente (gratuitamente) acessíveis à qualquer um que queira satisfazer suas necessidades, desejos, pensamentos, projetos, paixões, e desenvolver livremente suas habilidades, capacidades e potencialidades.

Um evento assim, que desabilita pela base o poder da classe dominante (empresários, burocratas e o Estados), tem desde o princípio uma linguagem incompreensível e “inconversável” com a classe dominante e o Estado, sendo de fato uma ditadura contra eles - a verdadeira ditadura do proletariado.

A classe dominante sequer tem tempo para começar a entender o que está sofrendo para elaborar uma estratégia antes de o proletariado ter se auto-abolido e, portanto, abolido a classe dominante, a sociedade de classes. ”(Contra a estratégia) [4]

Ouvimos frequentemente que tudo isso é impossível. Mas a categoria “possibilidade” não tem nenhuma relação com a revolução, que por definição transforma as condições de possibilidade em que ela própria se desdobra, fazendo emergir necessariamente o “impossível”. Porém, os conteúdos singulares desse “impossível em ato” são imprevisíveis. O único “impossível” de que dispomos hoje para nossa ação é o do entendimento das necessidades práticas objetivamente indispensáveis que as condições postas pela própria sociedade capitalista nos permite inferir teoricamente se buscamos a destruição e superação dessa sociedade. Essas são as tarefas mínimas objetivamente incontornáveis que a irrupção mundial do “impossível em ato” precisará realizar para superar de fato a sociedade capitalista e que, caso não as realize, fatalmente se deixará afogar na contra-revolução. Como criar as condições propícias? Como fazer coincidir e combinar no tempo e no espaço as inumeráveis circunstâncias e determinações singulares (já em plena ação mas disparatadas) de tal modo a suscitar as “impossíveis” capacidades do proletariado mundial para realizar essas tarefas mínimas? [5] Para nós, esta é a questão decisiva.

Outra coisa que ouvimos frequentemente é que nossa posição depende de um otimismo descabido ou uma esperança ingênua. Na realidade, a questão do pessimismo ou otimismo, desespero ou esperança, não tem nenhuma importância, e é insignificante para nós enquanto comunistas materialistas. O que importa é que os comunistas exponham com clareza seus objetivos, assim como os fundamentos (verificáveis por qualquer um) de sua necessidade prática. Se o objetivo for equivocado, ele levará a práxis apenas a desperdiçar energia e tempo num projeto que alimentará fatalmente a contra-revolução.(...)

É impraticável, literalmente "impossível", na situação "normal" da sociedade capitalista, como hoje, em que os proletários estão profundamente derrotados no mundo todo, e desapareceram como classe do cenário histórico. Como classe, o proletariado só existe na luta internacionalista simultânea em todos os lugares contra "suas próprias" classes dominantes, se comunicando em escala mundial e com um projeto explícito e consciente de transformação radical da sociedade. Não é algo "normal" e "automático" na sociedade capitalista, pelo contrário, é "impossível" nas coordenadas do status quo. O que o texto ressalta é que, se não houver esse internacionalismo diretamente material (que chamamos provisoriamente de "produção livre"), não há absolutamente nenhuma possibilidade material, objetiva, de superar a sociedade capitalista, mas apenas de criar novas propriedades privadas, capitais e estados para continuar a exploração do homem pelo homem sob máscaras ilusórias de emancipação.

(Humanaesfera)

Comentários

Mensagens populares