Anarquista!? Comunista!? Não importa o nome que o proletariado use durante a luta de classes... Organizemos a revolução

Traduzido e adaptado de um artigo do GCI (Grupo Comunista Internacionalista) escrito em sua revista “Comunismo”. 

Nós vamos aqui desenvolver a distinção fundamental existente entre anarquia como ideologia e anarquia como partido do proletariado. Se o proletariado defende o estabelecimento de uma comunidade humana e a destruição de todo Estado, a base é o desenvolvimento do movimento real de abolição da ordem estabelecida e não o sentimentalismo ideológico desenvolvido – com o nome de comunismo ou de anarquismo – pela contra-revolução. Uma ideologia – não importa se refere formalmente a comunismo, anarquismo ou cristianismo – nada é mais que uma massa de idéias pré-definidas da qual seus apoiadores – os ideólogos – procuram encontrar na realidade, o lugar onde finalmente possam confirmar satisfatoriamente suas teorias, mesmo se isso significa ignorar ou culpar ao curso da realidade que não corresponde a suas expectativas. A ideologia anarquista, como toda ideologia, é baseada em uma ou outra aposta filosófica (em Pelloutier, o sindicalismo deve levar a revolução; em Faure, a idéia de liberdade pode alcançá-la; em Abad de Santillan, o federalismo é a garantia da revolução; em Stirner, o indivíduo, etc.) de modo a resultar na transformação destas idéias em uma força material que, via sindicalismo, anti-autoritarianismo, federalismo, individualismo..., integre o esforço reformista do capitalismo em geral evitando sua destruição. O anarquismo ideológico tem tão pouco a haver com o movimento real contra todo Estado quanto o Stalinismo ou o democratismo com a supressão das classes sociais. A ideologia anarquista (oposta à anarquia como destruição do Estado), tanto quanto os leninistas ou marxista-leninistas (opostos ao movimento comunista) são ambos os piores inimigos do proletariado.

Nossa oposição acerca do pseudo-antagonismo que possa existir por si entre as correntes chamadas “comunistas" e "anarquistas", consideradas a priori (o que é dito de um ponto de vista ideológico), como entidades absolutamente irreconciliáveis programaticamente, sagradas famílias derivadas de teses de origem inteiramente distinta, constituirá assim uma surpresa somente para os ideólogos, estes mercadores da mente que dão total confiança na construção de idéias antes que a projetos verificados.

Para nós, este modo ver é baseado em uma revisão da história desenvolvida pela social-democracia (1) que tentou confiscar as contribuições de Marx para transformar suas afirmações revolucionárias em uma religião –o "Marxismo" - esvaziadas de seu conteúdo subversivo e estruturadas em torno da idéia da conquista “política” do Estado (2). Os revolucionários que se opõem a esta recuperação encontram-se descritos como "anarquistas".

(nota 1) Nós não nos referimos aqui a tal ou qual partido formal da social-democracia. Nós nos referimos a social-democracia histórica, ao partido histórico da reforma capitalista, ou seja, à totalidade das forces participantes no desenvolvimento de um programa capitalista no que diz respeito aos trabalhadores. Neste nível, fica claro que muitas organizações reclamando serem "anarquistas" ou "anarco-sindicalistas" tem contribuído abertamente para o desenvolvimento da social-democracia, mesmo que eles não pretendam pertencer a corrente formalmente denominada como tal.

(nota 2) Esta versão social-democrata de um Marx "dirigido à conquista do Estado" tem sido sistematicamente denunciada e atacada pelos militantes comunistas, inclusive aqueles que se definem como “anarquistas”, e no tempo onde as polarizações que a social-democracia causou eram as mais poderosas, no último século. Assim, o "Grupo Anarquista de Bruxelas" publica em 1912 um texto que diz, acerca da análise da "corrupção estatista e social-democrática do movimento socialista": "Parece-nos pouco razoável que seja decisivo atribuir aos Alemães uma corrupção de ordem espontânea e geral. Meramente para se aliciar em Karl Marx a justificação de táticas que em nada seguem a palavras do ” Mestre“. Encontra-se em Marx, Engels e alguns de seus discípulos, um ácido criticismo do Estado e das eleições, afirmações anarquistas que no mínimo provam que as idéias destes homens foram distorcidas pelos políticos." ("Socialism against the State and politicians", publicação do Anarchist Group of Brussels, Editions du Révolté, Dezembro de 1912).

Esta dicotomia imposta pela social-democracia encontra-se reforçada por todos aqueles que, apressando-se em constituir um novo santuário, competidor ao "Marxismo", procurando definir a paternidade da revolução em torno de tudo o que, na história, houver feito referência à anarquia. Enquanto tentam teorizar uma pseudo-unidade em torno destas referências, nada mais fazem que estruturar um novo corpo de posições – um anarquismo único – onde as posições revolucionárias juntem-se as piores afirmações reformistas... dentro da melhor imagem dos partidos “marxistas” que se denunciou! Esta confusão dentre duas religiões na mesma medida impecavelmente social-democratas acaba por misturar a linha real de demarcação entre revolução e contra-revolução. O retrocesso surge do movimento comunista no início dos anos 20, e o desenvolvimento do Leninismo, e então do Trotskismo, do Maoismo, e do mesmo modo do "anarquismo", reforçaram a instalação da separação social-democrata entre "comunistas" e "anarquistas", de forma obscurecer hoje o fato de antes de 1914, não havia uma bem definida fronteira entre publicações e militantes reclamando o comunismo e/ou a anarquia, e que havia muitos que, sem fazer qualquer divisão no movimento, referiam indistintamente a um ou a outro.

A confusão é de agora em diante total: "anarquistas" e "comunistas" aparecem como entidades sagradas, sagradas famílias separadas por supostos preceitos originais inteiramente diferentes; e esta atitude ideológica agora prevalece como método de análise de toda prática revolucionária.

Este modo de ver contém inteiramente os desvios peculiares a uma visão que não parte da prática militante real, mas das especulações, das idéias, das bandeiras representando a ação militante. È realmente surpreendente ver os ideólogos propondo tão abertamente à citação de Marx, que chama a julgar o homem "não naquilo que ele diz, mas naquilo que ele faz" enquanto permanecem incapazes de aplicar o estágio-ABC deste preceito na analise de uma corrente ou uma organização. Aqui, a bandeira é sistematicamente confundida com o movimento.

Assim, em consideração aos grupos ou militantes ideologicamente rotulados nas correntes consideradas "comunistas" e "anarquistas", não se examina em geral o conteúdo de suas ações, mas aquilo que elas pretendem acerca de si mesmas. E estas pretensões são suficientes para opor campos ideológicos e fechar suas respectivas famílias em áreas separadas, mecanicamente delimitadas. Este avanço marcado com religiosidade direcionada a cobrir com a mesma bandeira “anarquista”, as práticas contra-revolucionárias dos participacionistas governamentais na Espanha em 36 e das unidades revolucionárias de insurgentes em torno de Makhno na Ucrânia do início do século. E reciprocamente coloca no mesmo saco rotulando de “comunistas”, o desenvolvimento do Estado capitalista na Rússia sob a égide de Lênin, e a ação revolucionária do Partido Operário Comunista Alemão (KAPD) em 1920.

Se agora se permite o domínio da ideologia e mira-se um momento dentro da história do movimento operário, nota-se que o programa do proletariado tem se voltado tão mais para a defesa do comunismo (referencia ao estabelecimento de uma comunidade humana real, sem classes, sem Estado) quanto para a anarquia (referência à destruição revolucionária de todo Estado). É bom evitar umas distinções terminológicas e ideológicas que não tem qualquer sentido, e que ao seu tempo, Karl Marx, em conflito precisamente contra a ideologização de algumas diferenças entre ele e Bakunin, repetiu bastante pertinentemente que todos os socialistas reivindicavam a anarquia quando estes se referiam a remoção do Estado (3).

(nota 3) "Por anarquia,todos os socialistas compreendem isto: que o objetivo do movimento proletário, a abolição das classes, uma vez alcançada, o poder do Estado, que é usado para a manutenção da grande maioria produtora sob o julgo de uma pequena minoria exploradora, desaparece,e a função governamental é transformada em simples função administrativa." (Karl Marx – As supostas cisões na Internacional). Pode-se discutir provavelmente a definição de anarquia dada aqui pelo camarada Marx, mas em qualquer caso, não se pode negar a ele a defesa e o apelo a “anarquia”, e a perspectiva de abolição do Estado.

Mas ainda mais extensivamente, existe um bom número de militantes revolucionários que tem conduzido suas atividades em torno de outras bandeiras que aquelas da anarquia ou do comunismo: a exemplo da “esquerda socialista-revolucionária” na Rússia, do “Partido Liberal” de Florès Magon no México, ou de algumas "Uniões" na Alemanha, etc.

É então metodologicamente absurdo e politicamente falso sumarizar a definição do caráter revolucionário ou não de uma vanguarda por aquilo que ela diz de si mesma ou ao modo do qual esta formalmente se apresenta. A ação principal é determinar a real prática social de uma organização (dentre as quais os escritos e bandeiras constituem um momento) e não partir de tentativa ideológica de provar a priori que o simples fato de definir a si mesma como "anarquista" ou "liberal", garante de maneira obvia contra qualquer espécie de desvio. Confundir a prática que uma expressão militante realmente assume com a bandeira que esta sustenta não tem qualquer sentido.

Quanto a nós, nosso ponto de partida invariavelmente situa-se na contradição central entre revolução e contra-revolução. Para estimar um movimento social ou a prática de uma minoria militante, nós sempre partimos da contradição material fundamental existente entre de um lado, o proletariado, uma força social que tem a abolição de todas as classes e de todo o Estado por única possibilidade de liberação, e de outro lado, a burguesia, uma força social que não tem qualquer outro interesse para assegurar seus privilégios que não seja defender o Estado e sua própria existência como classe dominante. Nós partimos, portanto deste antagonismo real entre duas classes sociais batalhando em direções opostas, uma pela conservação do mundo, a outra por sua profunda transformação.

De fato –nós afirmamos- que nós estamos conscientes que as bandeiras e slogans com os quais se luta não são neutros, que eles influenciam bastante concretamente o início de uma prática social. E se nós compreendemos que proletários podem conduzir momentaneamente a luta de classes sob as bandeiras confusas de Paz ou Liberdade, por exemplo, nós, entretanto não iremos nos privar da crítica daquelas demais perspectivas realmente parciais, através das quais a burguesia estará desde a muito refreando o possível impulso revolucionário abrigando-lhe no campo do reformismo e da defesa do Capital.

Mas novamente, o criticismo com a falta de ruptura com a ideologia dominante que aparece nas bandeiras, palavras-de-ordem, textos... não pode constituir em si mesmo o corte definitivo de uma apreciação geral da prática militante de um grupo ou movimento social.O que importa é verificar na atividade assumida, o caráter revolucionário ou contra-revolucionário.

Armados com este materialismo social, armadas com esta contradição real entre revolução e contra-revolução, nós podemos agora voltar as correntes chamadas “comunistas” e “anarquistas”. E a partir deste ponto de vista, o que nós vemos se investigarmos, por exemplo, a contradição entre um “dizer” revolucionário e um “fazer” contra-revolucionário?

Que o "comunista" Lênin, não importa se ele escreveu que era necessário destruir o Estado, quando na prática, ela assume a defesa deste até advogar abertamente o completo desenvolvimento do capitalismo na Rússia.

Que o "anarquista" Garcia-Oliver sempre se definiu como um irredutível adversário do Estado e que ele continuara defendendo este caminho... mesmo quando ele assumira claramente a defesa deste, aceitando ocupar um cargo do Ministério da Justiça, e a criar campos de trabalho no governo republicano da Espanha em 1936.

Que o círculo bolchevique presente na França pré-guerra não importa se este reagrupou militantes ao redor de um programa formalmente estruturado em torno da luta contra a guerra capitalista, isto não evitará que a maioria do grupo responda, em 1914, ao chamado de defesa da República Francesa frente ao Império Germânico.

Que os anarco-sindicalistas da CGT e um bom número de "anarquistas" na França que haviam aprontado uma agitação acerca de sua irredutível recusa de todo patriotismo, tomaram o lado, por maioria, com o campo dos militaristas desde o primeiro tiro de canhão (4).

(nota 4) Atrás da defesa dos profissionais e dos pagamentos feita pelos sindicatos, sobressai a defesa do trabalho e salário, digo uma  adaptação ao capitalismo. Uma defesa do trabalho assalariado que a "Confédération Générale du Travail" complementará enquanto que chamando abertamente ao massacre imperialista em 1914, seguida nisto pela imensa maioria dos "anarquistas" organizados em torno dela. Portanto a defesa do sindicalismo por uma porção de expressões militantes tentando distinguir-se da “Segunda Internacional”, será a contrapartida das ilusões parlamentares conduzidas por todos aqueles que pensavam ser hábeis a organizar o proletariado em partidos social-democratas. Isto é fundamental para criticar especialmente o papel centrista daquelas frações de oposição que, por dentro dos partidos social-democratas como das organizações anarco-sindicalistas, contribuíram com seu "apoio crítico" dirigido a iludir o proletariado. Enquanto desejavam "retificar" o curso reformista destas organizações, estes militantes evitavam o reagrupamento real dos trabalhadores em torno de seu próprio projeto autônomo, em torno da perspectiva comunista.

De qualquer forma, não tem utilidade a tentativa de isolar em uma simples denominação de uma família, qualquer que seja esta "socialista", "anarquista", "comunista" ou "libertaria", algum caráter sagrado que a protegeria às vezes automaticamente seus membros de todo desvio contra-revolucionário ou que os definiria algumas vezes pela mágica a filiação à revolução.

A via vermelha do proletariado revolucionário encontra-se na afirmação histórica de seu programa. Na crítica prática de todos os Estados, na recusa de toda Guerra capitalista, na luta para abolir a exploração, na rejeição do parlamentarismo e do sindicalismo (5),... e mais globalmente no esforço geral para agregar em força organizada, em classe, em um partido decididamente distinto de todos os partidos burgueses, em um partido reunindo a história de todas as rupturas programáticas alcançadas pelo proletariado.

(nota 5) A existência de posições revolucionárias decididamente anti-sindicalistas, e indistintamente críticas da "Confédération Générale du Travail" do princípio do século (posições contraditórias) faz com a CGT francesa se pareça com o equivalente para a internacional anarco-sindicalista, daquilo que foi o SPD alemão para a internacional dos partidos social-democratas. Se o SPD constituiu a espinha dorsal da "Internacional Socialista", a CGT quanto a isto, pode ser vista como a ponta de lança do reformismo "anarco-sindicalista" ou "sindicalista revolucionário".

Na verdade seguir o ponto de vista de uma família ideológica de luta – obrigatoriamente com as mesmas palavras – de outro ponto de vista, indica a existência de uma outra base que não é a nossa. Os revolucionários jamais partem da ideologia, mas do movimento real. O Manifesto do Partido Comunista já defendia esta posição em 1848, quando este afirma que "as conclusões teóricas dos Comunistas não são baseadas em idéias ou princípios que foram inventadas, ou descobertas, por este ou aquele que fosse um reformador universal. Elas meramente expressam, em termos gerais, as relações atuais impulsionados por uma luta de classes existente, por um movimento histórico acontecendo sob nossos olhos.”.

Lorenzo Orsetti

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